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O perfil do jovem mudou, mas ele ainda é o alvo das empresas na busca por talentos. Veja se e quando vale a pena criar um programa de trainees e como mensurar o retorno desse investimento




Nos últimos meses, algumas das principais empresas do Brasil abriram as inscrições para seus programas de trainee, com o objetivo de selecionar jovens recém-formados ou que estão no último ano do curso universitário. Cada vez mais empresas têm recorrido a essa forma para garimpar os talentos mais promissores no mercado. Desde o surgimento dos programas na década de 90, estima-se que o número total de vagas oferecidas a trainees no país tenha crescido a um ritmo de 20% a 30% ao ano. Os jovens selecionados, em geral, destacam-se por seu alto potencial. A maioria estudou em escolas de primeira linha, tem curso de especialização ou MBA, é fluente em vários idiomas e domina as principais ferramentas de tecnologia e internet. Eles serão preparados para ocupar cargos gerenciais ou estratégicos, em programas que duram, em média, 24 meses. Durante esse período, os trainees passam por várias áreas da empresa, conhecem pessoas-chave, recebem treinamentos específicos, desenvolvem projetos. Alguns dos trainees já entram na empresa ganhando acima de 4 000 reais por mês, além dos benefícios. Parece um excelente negócio, tanto para a empresa quanto para o trainee. Mas as coisas não são tão simples assim. Uma pesquisa realizada pela empresa paulistana Namosca, agência de marketing com foco no público jovem, revelou que 20% das vagas dos programas de trainee criados atualmente não são preenchidas, apesar de todos os atrativos oferecidos pelas empresas. O levantamento baseou-se em informações de 180 grandes companhias do país que possuem programa de trainees estruturado e reconhecido. De acordo com a pesquisa, os programas de trainee dessas empresas oferecem em média 15 vagas por ano e recebem em torno de 45 000 inscrições, o que dá uma média de 3 000 candidatos por vaga — são mais disputados do que qualquer vestibular. Contudo, apesar do grande número de candidatos, as empresas não conseguem preencher 20% das vagas. Como se explica esse fenômeno? Segundo o estudo da agência Namosca, por causa da baixa qualidade do Ensino Superior, as empresas acabam descartando, logo de cara, boa parte dos candidatos, que não conseguem preencher os requisitos mínimos. Outro problema é que há um descasamento entre o que a empresa oferece e o que os candidatos a trainee buscam. O jovem que procura uma colocação no mercado se inscreve, em média, em 14 processos de seleção, o que demonstra a falta de identificação com suas opções. Ele pode trocar de empresa com a mesma facilidade com que troca de marca de celular ou de roupa. “Se antes o que importava para um candidato eram a marca e os valores da empresa e as possibilidades de carreira, hoje os critérios são mais rasteiros, ou seja, basta ganhar bem e ter promessas de sucesso rápido”, diz Marcos Calliari, sócio da agência Namosca. “Os jovens hoje têm pressa de crescer profissionalmente e procuram fazer mil coisas ao mesmo tempo. Infelizmente, as empresas ainda não se adaptaram a essas novas características, que à primeira vista parecem negativas, mas não necessariamente são. A grande maioria dos jovens tem grande confiança em sua capacidade de realização e conquista.” Especialistas da área de RH também detectam mudanças no comportamento e nas expectativas dos jovens, principalmente em relação à carreira. O sonho de permanecer vários anos na mesma empresa e conquistar gradualmente cada posição não faz mais parte do horizonte de muitos jovens. “Os programas de trainee estão sendo desafiados a mudar em razão do comportamento dos jovens que estão entrando no mercado de trabalho”, diz o consultor Sidnei Oliveira, da Kantu, empresa especializada em educação executiva. Segundo Oliveira, os jovens de hoje reagem de forma diferente do que era comum em décadas passadas. Eles formam a chamada “Geração Y”, dos nascidos depois de 1980, num mundo ligado à internet. Já a “Geração X”, que nasceu entre, aproximadamente, 1965 e 1980, é conhecida como “migrante” da internet. “Essa geração está recebendo os jovens nas empresas e precisa estar ciente dessas diferenças. O jovem atual tem a característica da conectividade — em vários sentidos. Sente-se à vontade em produzir um relatório, verificar e-mails e ouvir música ao mesmo tempo, sem que nenhuma das ações seja prejudicada. Ele cresceu nessa realidade e está adaptado”, afirma Oliveira.
Linguagem dos jovens
Algumas empresas estão aprendendo a falar com esse novo público que está ingressando no mercado de trabalho. Na indústria de bebidas AmBev, a fase de seleção de trainees foi ajustada às características dos jovens, que possuem intimidade com as novas ferramentas de internet — bem diversa da realidade de 1997, quando o programa foi implantado. Neste ano, a companhia lançou um projeto inovador para divulgar o programa, com jogos interativos nas redes sociais da internet e simulação de atividades de rotina da empresa, como a distribuição de produtos. Pelo próprio site de inscrições, é possível testar conhecimentos sobre a empresa, acessar blogs de trainees que contam sua experiência, tirar dúvidas e participar de chat com diretores. “É fundamental para a empresa ajustar seus recursos às expectativas do jovem e ao que ele espera conquistar em sua carreira no futuro”, diz Thiago Porto, gerente de desenvolvimento de gente da AmBev. A fabricante de bebidas tem aproveitado bem o programa de trainees. Atualmente, 30% dos cargos de nível gerencial, sênior e de direção da AmBev são ocupados por ex-trainees. Para obter um resultado desse nível, é fundamental a fase de seleção. “Escolher a pessoa que demonstre atitudes compatíveis com os valores da empresa, esclarecer as responsabilidades que ela terá pelo fato de ser selecionada como trainee e calibrar as expectativas de ambas as partes são aspectos que têm contribuído para que as organizações tenham melhor êxito em seus programas”, diz o consultor empresarial Luciano Miguel Salamacha. Segundo ele, quando os primeiros programas de trainee foram implantados no país, há cerca de 20 anos, a meta das empresas era formar rapidamente jovens com talento para ocupar cargos de alta gestão. No final dos anos 90, veio a “explosão” dos programas de trainee e a correria para absorver o maior número possível de novos profissionais. “Muitas empresas acabaram contratando e investindo na qualificação de jovens que demonstravam apenas competência operacional para a função, mas, ao fim do processo, simplesmente abandonavam as empresas por não ter compatibilidade com sua cultura”, diz Salamacha. Ele acredita que o mercado de trainee no país, depois de passar por um período de crescimento, está atualmente em sua fase de “maturidade”. Na América Latina Logística (ALL), maior companhia ferroviária do país, o programa de trainees passou por uma evolução desde que foi criado, em1997. Segundo Melissa Werneck, superintendente das áreas de gente, qualidade e marketing, a própria campanha de lançamento do programa, que ocorre no mês de julho, é desenvolvida com mote cada vez menos voltado para questões técnicas e mais para questões comportamentais. “No histórico das campanhas, essa evolução fica bem visível”, diz Melissa, ao analisar as peças de divulgação do programa dos últimos 12 anos. Nos primeiros cartazes, a área técnica da empresa, que indicava a atração de profissionais unicamente para capacitação em gerenciamento logístico, era o foco principal do programa de trainees. Nas campanhas mais recentes, o destaque foi sendo conduzido para questões mais subjetivas, com apelo a sentimentos e percepções dos jovens, como ascensão profissional mais palpável e a vivência de constantes desafios. “O processo de seleção agora é direcionado para a identificação de pessoas com um perfil que tenha afinidade com a filosofia de trabalho da empresa”, diz Melissa. Desde o lançamento de seu programa, a ALL formou 173 trainees. Destes, 78% ocupam cargos estratégicos na companhia (coordenador, especialista, gerente, diretor e superintendente). A empresa prioriza o treinamento de pessoal internamente, o que resulta em uma formação própria de quase 90% dos gestores. Segundo Pedro Roberto Almeida, diretor de gente e relações institucionais da ALL, a busca por profissionais altamente gabaritados no mercado não é interessante. Ao contrário, isso refletiria um desempenho negativo de seu programa de treinamento. “A empresa precisa acreditar em seus próprios talentos e investir no profissional desde seu ingresso”, diz Almeida.
Carreira global
Na busca pelos jovens mais promissores, cada empresa tenta utilizar as melhores “armas”. Na unidade brasileira da indústria de alimentos Kraft Foods, a dinâmica global dos cargos gerenciais é um dos principais atrativos para os trainees, que rapidamente encontram oportunidades para assumir posições em outros países. A empresa iniciou o programa em 2005, com turmas de 45 a 50 pessoas, que ficam em treinamento por dois anos, período em que já podem participar do processo de internacionalização. “Temos unidades em todas as regiões do mundo e isso exigiu uma plataforma de organização mais ampla”, diz Roseli Marinheiro, diretora de RH. Segunda maior empresa de alimentos do mundo, atrás apenas da Nestlé, a Kraft está presente em cerca de 150 países, onde mantém 200 fábricas. Segundo Roseli, a unidade brasileira é uma das que mais enviam profissionais para fora, pela facilidade de adaptação das pessoas. “O perfil dos nossos profissionais é muito atraente para o resto do mundo, porque, além da capacitação, eles concentram características culturais que facilitam o processo”, diz Roseli. Desde 2005, 92 profissionais brasileiros passaram ou ainda estão em programas de vivência em filiais da Kraft em outros países. Se a Kraft Foods adota um padrão global para a seleção de trainees, a montadora francesa Renault optou por desenvolver um projeto exclusivo para a unidade brasileira, sediada em São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba. A gerente de desenvolvimento de RH da Renault do Brasil, Adriane Tombesi, diz que o processo levou em consideração as características do público. A matriz do grupo prevê um alinhamento de práticas, mas cada unidade tem autonomia para desenvolver programas de acordo com a realidade local, e no caso do Brasil foi incluída a previsão de crescimento, visto que a fábrica do Paraná, que tem pouco mais de dez anos, é uma das mais novas do grupo. “A busca de jovens é relacionada às necessidades da unidade no médio e longo prazo”, diz Adriane. O programa da Renault foi implantado em 2006. No ano passado, inscreveram-se 3 500 candidatos para disputar apenas seis vagas. “Para a colocação de candidatos em posições estratégicas, em cargos de gestão, a quantidade fica muito reduzida. É necessário um conjunto de características bem específicas, não apenas de nível acadêmico, mas de um perfil ajustado às necessidades da empresa”, diz Adriane. A avaliação dos candidatos leva em conta a capacidade do trainee de interagir com os outros agentes do processo — o que Adriane chama de “transversalidade”. “É preciso saber como ele se relaciona com as outras instâncias de gestores da empresa, porque ao final do programa irá assumir um cargo com escopo definido”, diz a executiva.
Medidas de sucesso
Para as empresas que têm um programa de trainees, uma das principais preocupações é saber se a iniciativa está mesmo valendo a pena. Uma das formas tradicionais de medir o êxito do programa é verificar o índice de aproveitamento dos ex-trainees, sobretudo em cargos gerenciais. Para alguns especialistas, um índice de retenção de 70% dos trainees após cinco anos já pode ser considerado um ótimo resultado. No entanto, mais do que olhar para a retenção dos trainees, há quem diga que o importante é apurar os resultados proporcionados pelo profissional no período em que permanecer na empresa. Não é uma tarefa complicada com o perfil dos jovens de hoje. “O próprio trainee já entra com a ideia de que não é mais um simples cumpridor de tarefas, mas sim que terá sua parcela de responsabilidade nas atividades desenvolvidas pela empresa”, diz a consultora Sofia Esteves, da Cia de Talentos. Na ALL, existe essa preocupação de medir resultados concretos de projetos desenvolvidos pelos trainees, seja em termos de redução de custos, aumento de produtividade, seja em melhorias técnicas. Da turma de trainees de 2008, um único projeto desenvolvido gerou um ganho financeiro de 5,7 milhões de reais para a empresa. Sérgio Nahuz, diretor de negócios industrializados da ALL, diz que o programa de trainees é conduzido de forma que todos possam assumir grandes responsabilidades desde cedo. Ele próprio é um exemplo. Apenas seis meses depois determinar o programa de trainee, Nahuz assumiu uma grande unidade de negócios da empresa, a Granéis Centro-Oeste. A unidade não estava bem naquele ano e precisava de estratégias de emergência para se recuperar. “Conseguimos reconstruir o negócio e crescer 50% nos dois anos seguintes”, afirma. Na Fosfertil, fabricante de matéria-prima para fertilizantes, o programa de trainees, implantado em 2001, também procura medir os resultados por meio de critérios cada vez mais técnicos. “Temos condições de avaliar o retorno para a empresa de forma concreta”, afirma Érica Gonçalves, gerente executiva de RH. Ao final do programa, que dura um ano para turmas de dez profissionais, todos os projetos desenvolvidos são avaliados por uma banca examinadora, constituída por executivos da empresa. Segundo Érica, esses projetos finais são um bom termômetro do sucesso do programa. “Na turma mais recente, de 2008, o retorno financeiro de um único projeto foi suficiente para ‘pagar’ o programa de cinco trainees”, afirma Érica. Esses resultados indicam que o programa de trainees está valendo, sim, a pena, mas cabe a pergunta: toda e qualquer empresa precisa ter um programa de trainee? Para a consultora Sofia, é preciso que, antes de tudo, a empresa tenha clareza de sua necessidade de formar pessoas para manter um banco de profissionais capazes de assegurar a sucessão. “Empresas muito jovens ou que estão em fase de reestruturação podem correr riscos ao estabelecer esse tipo de programa”, adverte Sofia. Antes de tomar uma decisão sobre a criação de um programa de trainees, convém fazer uma avaliação básica, que inclui levantamentos sobre possíveis aposentadorias, média de rotatividade nos cargos, previsão de expansão de unidades ou de produção para os próximos anos. Com isso, é possível definir as estratégias mais adequadas para a implantação de um treinamento de novos funcionários. Sofia considera uma evolução positiva a visão das empresas que preferem preparar seus profissionais para uma carreira de médio e longo prazo. “É uma tendência investir mais em pessoas que pensam em um futuro na empresa”, diz a consultora. Para ela, o que faltou nos primeiros programas de trainee foi a percepção de que o investimento precisa ser feito com foco em resultados. “Atualmente, o que se vê é o trainee assumindo projetos de melhoria, inclusive gerando retorno financeiro para a empresa. Com isso, não há desgaste nem decepções, que muitas vezes ocorriam para ambos os lados.”
Fonte Você/RH
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